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27 Fevereiro 2020

Código das Sociedades Comerciais

No passado dia 27/01/2020, foi publicado no Diário da República o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 774/2019 que declarou a inconstitucionalidade, com força geral obrigatória, da norma prevista no artigo 389º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC). Em causa estaria a violação dos atuais artigos 54º, n.º 5, alínea d) e artigo 56º, n.º 2, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, que consagram o direito à participação dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho pelas comissões de trabalhadores e pelas associações sindicais, respetivamente.

Norma declarada inconstitucional

O artigo 389º, n.º 2 CSC é, por regra, aplicável apenas às sociedades anónimas, existindo autores que entendem que se estende também às sociedades por quotas. Está prevista nos seguintes termos:

“2 – Quando for designado administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número anterior [sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo], exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número [quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo], os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham durado mais do que esse ano.”

Iniciativa

O representante do Ministério Público requereu, junto do Tribunal Constitucional, a iniciação de um processo de fiscalização abstrata e sucessiva de constitucionalidade. Isto é, tendo a norma aqui em causa já sido declarada inconstitucional em três casos concretos por este mesmo Tribunal, o Ministério Público veio reclamar que o referido artigo 389º, n.º 2 CSC fosse declarado inconstitucional com força obrigatória geral, sendo, consequentemente, eliminado por definitivo da legislação em que se inclui.

Fundamentação do Requerente

Sinteticamente, o legislador consagrou inicialmente esta norma por presumir que a celebração de um contrato de trabalho em data próxima da designação como administrador constituía uma conduta fraudulenta, com o propósito de acautelar a posição profissional futura do titular, às custas da sociedade. Acrescia ainda o propósito de proteção da independência dos administradores, visto que a existência de um contrato de trabalho prévio poderia levantar potenciais conflitos de interesses.

Todavia, a doutrina começou a questionar se as regras gerais de invalidade do contrato de trabalho não seriam suficientes para acautelar um possível aproveitamento ilícito da sociedade. Foi ainda coloca a questão que esta norma poderia ser utilizada de forma fraudulenta, pois esta permitiria a designação de um trabalhador como administrador justamente para fazer cessar a relação laboral fora dos casos legalmente previstos no direito laboral.

Fundamentação da decisão do Tribunal Constitucional

Perante tais argumentos, o Tribunal Constitucional fixou os seguintes pontos neste aresto:

  1. O legislador, na norma em crise, prevê diferentes regimes para os contratos consoante o período de antecedência à designação como administradores (extinção do contrato de trabalho celebrado em período inferior a um ano antes da designação, e suspensão para os que tenham sido celebrados com antecedência superior), autorizando a conservação do vínculo laboral em apenas uma das situações. Deste modo, o legislador introduziu uma causa de caducidade distinta da “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber” – artigo 242º, alínea b) do Código do Trabalho.
  2. A norma em causa não tem por objeto a relação entre a sociedade e o administrador, mas sim a impossibilidade de coexistência daquele vínculo com outra relação jurídica de trabalho. Visto que esta introduz uma causa de extinção do contrato de trabalho, não se pode deixar de considerar como sendo uma norma “específica, direta e materialmente laboral” para efeitos de participação das organizações representativas.
Decisão

Atentando a toda a fundamentação suprarreferida, o artigo 389º, n.º 2 CSC deixará de constar da legislação comercial. Por razões de equidade e segurança jurídica relativamente a todos os contratos de trabalho extintos com base nesta norma, a inconstitucionalidade apenas produziu efeitos a partir da data da publicação deste acórdão, ou seja, a partir do dia 27/01/2020.

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