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21 Abril 2022

As guerras possuem normas

Para entender o fenómeno internacional e sua regulamentação jurídica torna-se imprescindível a compreensão do mundo globalizado, em que a cooperação e os interesses nacionais se tornam alvo de uma análise conjunta. Se o grande desafio do Direito Internacional no século XX foi a extraordinária ampliação do seu âmbito de atuação, a tarefa, não menos exigente, para o século XXI será a de encontrar mecanismos que garantirão a sua efetiva implementação no cenário global.

O Direito Internacional atual está a evoluir no sentido de uma sociedade global preocupada com os direitos humanos e esta evolução ergue limites à soberania das justiças nacionais dos estados. As construções jurídicas em torno dos crimes de guerra e contra a humanidade mostram que a conceção da soberania está em evolução.

A multiplicação de conflitos armados tem posto à prova a aplicação dos regimes de direito humanitário, em particular as Convenções de Genebra, de 1949, e os seus Protocolos adicionais, bem como outras convenções e protocolos que abrangem aspetos específicos do Direito Internacional dos Conflitos Armados. Na verdade, a essência destas normas ajuda a manter o mínimo de humanidade durante as guerras, ou pelo menos deveria.

O Direito Internacional Humanitário (DIH) inclui um número de princípios com o objetivo de garantir a distinção de pessoas e objetos civis. Exemplo disso, é estipulado que os combatentes num conflito armado têm a obrigação de se distinguirem da população civil (normalmente ao usar uniforme). Inclui igualmente um conjunto de restrições dos meios e métodos de combate (especialmente armas e táticas militares).

Não obstante, os desafios do DIH continuam a ser de enorme complexidade, devido à multiplicidade de novos elementos que se inserem nos teatros de guerra. A tecnologia aplicada ao armamento, nomeadamente os sistemas de armas controlados à distância, as armas automáticas que estão em ascensão e determinados sistemas autónomos, como robôs de combate, que estão a ser considerados para o futuro. A própria proteção dos jornalistas que se encontram expostos a um perigo extremo, permanecem numa espécie de vazio na legislação. Naturalmente, esses novos meios e métodos de guerra impõem desafios jurídicos e práticos no sentido de assegurar que o seu uso cumpra com as normas existentes e também seja dada devida consideração ao impacto humanitário previsível com a sua utilização.

Visto à distância, muitas das normas já existentes podem passar camufladas na realidade. Aos nossos olhos, toda e qualquer guerra é prejudicial para o desenvolvimento da humanidade e tudo nos parece igual ao testemunho descrito por Padre António Vieira, no Brasil do século XVII. No sermão da Sé da Baía, no ano de 1669 descreveu assim:

“…As cidades e as vilas arruinadas, os templos e os altares profanados, as pessoas de todo o estado e condição, e todo o sexo e idade desacatadas e por mil modos oprimidas, as mulheres e meninos inocentes entregues à fúria e voracidade dos bárbaros, as crueldades, as sevícias, os martírios, e tantos outros géneros de herética tirania, contrários a toda a fé e direitos das gentes, e de nenhum modo compreendidas debaixo do nome de guerra; esta é a guerra que padecemos”.

O DIH é e continuará a ser uma obra inacabada, que necessita do trabalho, do empenho e da capaci­dade de inovação, para o aperfeiçoar e ajustar aos novos desafios da mudança e da modernidade.

Sim, mesmo as guerras têm limites.